quarta-feira, 15 de abril de 2020

Carta aberta ao Director do CFP

No número 467 do Boletim do Clube Filatélico de Portugal foi publicado um meu artigo sobre umas recentes falsificações de sobretaxas/sobrecargas de Moçambique e de outras colónias. A Direcção do Clube acrescentou uma "Nota de esclarecimento" que transcrevo a seguir:

Nota de esclarecimento
Tal como em todos os leilões que acontecem um pouco por todo o mundo, há sempre lotes suspeitos que passam ao exame de quem elabora as descrições dos lotes, não fugindo a essa circustância os leilões do CFP, por muito cuidado que se possa ter. No que respeita a este artigo é colocada em causa a seriedade de quem organiza os leilões do CFP. São reproduzidas como exemplos de falsificações duas imagens retiradas do 34º leilão do CFP, referentes aos lotes 1665 e 1671 com a referência "vendidos, lamentavelmente, em leilões do CFP". Ora o que "ilustre" autor deste artigo, provavelmente por má fé, não esclarece é que na descrição dos lotes está a indicação "Provavelmente falsa". Nós é que lamentamos este tipo de actuação.
A Direcção do CFP

Umas palavras contidas na nota de esclarecimento me obrigam a uma resposta. O texto que surgiu é longo e é evidente que não posso exigir um tal espaço no Boletim, e nem seria justo . O espaço no boletim é para assuntos mais sérios. Por isso optei por uma carta aberta ao Director do CFP:



Prezado senhor Director,

Mesmo se com atraso, recebi o último número do Boletim do CFP. Tive assim a oportunidade de ler directamente no papel o a sua nota de esclarecimento referida ao meu artigo sobre as falsificações recentes.  Surpreendeu-me como o senhor conseguiu passar, em poucas linhas, de uma nota de esclarecimento para uma nota de acusação com um percurso mental que, admito, tenho sérias dificuldades de perceber. Provei embaraço. É aquele embaraço que se prova quando alguém nos está contando algo e nos não conseguimos encontrar a conexão lógica e racional no que está dizendo. Prudência e educação nos impõem de pensar que somos nós que não estamos compreendendo bem. Acho porém que não é este o caso.

Pretendendo respeitar princípios de boa educação optei por uma resposta à sua nota que procurasse analisar objectivamente o que tem escrito e tentar de o reconduzir a um percurso racional, talvez criticando-o, mas sempre, como se costuma dizer, para fins construtivos.


Lhe respondo pelas palavras-chave do seu texto:

A elaboração da descrição dos lotes.
Apesar de não me estar claro quem é que elabora e quem examina as descrições dos lotes dos leilões CFP, fez referência aos leilões um pouco por todo o mundo nos quais acontecem erros similares. O que escreve é um pouco genérico e não se percebe a comparação. Se considerarmos as casas leiloeiras mais sérias, o senhor director poderá facilmente constatar que as descrições são de responsabilidade da própria casa e não do proprietário da peça posta a leilão. De facto podem ocorrer erros na descrição de uns lotes, mas os mesmos são retirados logo que for contestada tanto a descrição quanto a autenticidade da peça. Também estas casas leiloeiras sérias, nunca, mas mesmo nunca, colocam à venda selos declaradamente falsos (aqueles bons para tapeçaria, para nos entender)  pois não se permitem de vender lixo desse tipo. Qual é então o padrão de qualidade que é seguido pelos leilões do CFP? Sugiro uma maior atenção às denuncias da presença de “gato por lebre” divulgadas em blogs e sites filatélicos que espero frequente (há sempre algo por aprender).


Seriedade.
O senhor Director achou que estava colocando em causa a seriedade dos leilões CFP. Não era esta a minha intenção mas agora me obriga a faze-lo reflectir sobre este apecto. Já fiz referência à que considero seriedade de uma casa leiloeira. Uma casa leiloeira que repetidamente insere lotes com peças falsas um pouco de seriedade a perde, não acha? E não acha que isso seja lamentável qualquer que seja a casa leiloeira? Evitemos que isso aconteça com os leilões CFP.
Sugiro que quando houver uma dúvida sobre a genuinidade de uma peça, consultem os ilustres filatelistas que frequentam o CFP, especializados na matéria, que confirmem ou não a validade da peça ... e expliquem a razão. Os filatelistas mais modestos, como eu que tenho justamente merecido umas “aspas”, lhe serão muito gratos e seria uma grande demonstração de seriedade. Atenção, porém, deverão sustentar a opinião deles numa confrontação aberta. Encontrem uma maneira (o site do CFP pode ser uma via). 

Lamentavelmente. 
Pode-se dar uma infinidade de interpretações da razão do advérbio. O senhor escolheu uma, mas não sei com que direito (geralmente e educadamente pergunta-se a quem assim se expressou).  Como deve saber, os leilões online não gozam de uma boa fama. Nos últimos anos temos assistido nesses leilões a uma verdadeira praga, uma invasão de falsificações, muitas vezes com uma descrição elaborada com o intuito de ludibriar os coleccionadores menos atentos. Acha que não é lamentável que esta praga tenha infectado alguns leilões do CFP? Isto aconteceu há anos, é verdade, mas não acha lamentável que isso tenha acontecido no seu Clube? No Clube de Coleccionadores para Coleccionadores? Se quiser, escolha uma diferente interpretação mas retire por favor daquela nota a sua lamentável dedução. 

Provavelmente falsa
Não obstante o director tenha inicialmente afirmado que algum erro pode passar despercebido, volta indirectamente a reafirmar que a descrição está correcta. É aqui que sinto um grande embaraço para si. É incompreensível como possa achar que o “provavelmente” referido às absurdidades propostas, possa ser uma fórmula acautelatória e não uma forma distorciva da evidência.

Não era tão evidente? Senhor Director, volte a observar todos os selos do Nyassa à venda no 34º leilão, particularmente rico de selos/tapeçaria. Reproduzo abaixo os selos que interessam. 


Lotes 1069 e 1070, descritos como FALSOS!

 
Lotes 1071, 1072, 1073 e 1074. Descritos sem qualquer referência à falsificação, e portanto AUTÊNTICOS!




Lotes 1665, 1667, 1669, 1670, 1672 e e 1673. Descritos como PROVAVELMENNTE FALSOS!


Estranho, não é? Se os primeiros selos foram identificados como falsos, o meu pensamento lógico me diz que os restantes, apresentando as mesmas características, também serão falsos (e falsos são – leia o artigo se tiver dúvidas). É somente a simples aplicação da relação transitiva, nada de filatélico. Qual foi então a lógica destas descrições? Os selos soltos verticais são falsos, os horizontais são autênticos e os pares, uns tecnicamente impossíveis, provavelmente falsos? Não suspeita minimamente que a má fé possa estar aí e não em outro lugar como se dignou de afirmar?

Veja este outro caso bastante esquisito:

Leilão 34 - Lote 1054. Descrito como FALSO!


Leilão 35 – lote 1294, mesma sobretaxa mas desta vez o selo é AUTÊNTICO!


Má fé. 
Sem comentário. Por quanto me esforce não encontro um percurso racional que possa levar a essa sua conclusão. A retire imediatamente e não use o “provavelmente” como escudo, por favor. Obrigado.
Mas, a pensar bem, um comentário tenho: gostaria muito ler uma sua clara declaração contra os que descrevem de modo enganador as peças postas à venda e contra as tantas falsificações que circulam nos leilões. O afirme para qualquer leilão, que logo a seguir o leilão CFP deverá se adequar.

A propósito disso, comente por favor as descrições dos lotes  42, 347, 545 e 592 à venda no leilão especial. São daqueles casos em que um humilde coleccionador gostaria ler, numa confrontação aberta, o parecer dos ilustres filatelistas que frequentam o Clube, incluindo o senhor, obviamente.
 
E por terminar, um comentário (e sugestão) sobre a sua política editorial. E’ preciso encorajar novos filatelistas e novos articulistas. Isto só pode fazer bem ao CFP. Estará seguindo esta política? Quando anunciou a publicação no boletim de artigos dos blogs filatélicos, comentei muito positivamente esta iniciativa. Pode contar, por favor, quanto artigos de bloggers foram publicados e quantos foram os do seu blog? Pense nisso.

Agradecendo a sua atenção,
aguardo que seja publicada num próximo número do Boletim do CFP, com o mesmo destaque da sua nota de esclarecimento, uma sua outra nota (curta para não desperdiçar espaço precioso) citando o link para esta carta aberta. 

As minhas cordiais saudações filatélicas

Giorgio Micali
ilustre-entre-aspas filatelista