sábado, 5 de setembro de 2009

As folhas D.Carlos I (Mouchon) com legenda na margem

Objecto deste modesto estudo são as folhas de 28 selos da emissão D. Carlos I (Mouchon) que apresentam numa das suas margens (inferior ou superior) o nome da província ultramarina (Angola, S.Tomé e Príncipe, etc.) ou dos distritos (Lourenço Marques, Inhambane, etc.). Para o estudo foram analisadas principalmente as folhas de Lourenço Marques (mais abundantes no mercado) e secundariamente as dos restantes distritos de Moçambique tendo como finalidade a definição das modalidades de impressão e perfuração destas folhas.

 
Folha com legenda na margem inferior
Parte de folha com legenda na margem superior (a substituir logo que tenha uma folha inteira)


J.K.Cross num seu artigo sobre Inhambane reporta algumas considerações sobre a composição das folhas dos selos D. Carlos (Mouchon). A fonte do Cross creio porém que seja C.George.
Cross afirma que estes selos foram imprimidos em folhas de 4 grupos (2x2 panes) separados por um intervalo e sucessivamente cortados para obter as folhas assim como as conhecemos (4x7 selos). O intervalo horizontal continha a inscrição dos Distritos, um por cada grupo, sendo o de Inhambane o superior esquerdo (Lourenço Marques, Moçambique e Zambézia os restantes três).
Mais tarde os selos de cada distrito foram imprimidos nas suas próprias folhas e sem qualquer inscrição.

Apresentada como uma hipótese, apesar de não perceber como é possível ter a certeza da disposição dos paneis, encontro hoje confirmação numa peça que me foi gentilmente oferecida pelo Dr. Altino Silva Pinto.
A impressão de folhas compostas por 4 paneis separados horizontalmente por um intervalo (margens) com inscrições e sucessivamente cortadas implicava a existência, porém até hoje a mim desconhecida, de folhas que pudessem apresentar na margem inferior ou superior, além do nome da Província ou distrito, uma parte do nome imprimido na margem da folha contigua (superior ou inferior).



Este par de selos de Inhambane mostra este pormenor confirmando sem qualquer dúvida que a folha foi imprimida juntamente a outra (por sinal não do mesmo território) e que só depois da impressão foi separada.
Esta evidência contudo ainda não demonstra a impressão em quatro paneis. A sustento desta hipótese teremos que analisar as características das perfurações (ou, melhor, dos perfuradores) com que se apresentam as folhas.

Nestes desenhos esquemático são reportados os dois únicos tipos de folhas de Lourenço Marques.
Folha com legenda em baixo

Folha com legenda em cima


Os pormenores mais importantes são:

1. A legenda LOURENÇO MARQUES se encontra nas margens, inferior ou superior, sempre perfuradas.

2. As margens opostas às com a legenda apresentam apenas os furos que chamei "de chamada", como os que estão evidenciados nesta foto.



3. As margens laterais são sempre perfuradas.

4. A orientação do perfurador de pente é sempre igual (mesma orientação da folha ao ser perfurada).
Os furos "de chamada" representam claramente o inicio e o fim do pente, como se os dois tipos de folhas fossem colocados um por baixo do outro, confirmando que pelo menos dois paneis de 28 selos foram imprimidos simultaneamente:

A linha vertical do pente terá o inicio no primeiro painel do desenho e o fim no segundo painel (a orientação do pente é assim igual nos dois paneis), sinal que o pente tinha um comprimento suficiente a perfurar os dois paneis colocados um em baixo do outro e apto para perfurar 15 "espaços" ou seja 14 selos e a "ponte" com as legendas.
Para demonstrar que as folhas eram imprimidas tendo também paneis contíguos horizontalmente, nos baseamos na irracionalidade do uso do perfurador se assim não fosse.
O perfurador de pente perfura três lados dos selos a cada batida. O numero de batidas suficiente para perfurar todos os lados de todos os selos é igual ao numero, nos casos dos selos em questão, de colunas + 1, ou seja 5. Uma das margens laterais resultaria perfurada e outra não, assim como mostrado no desenho a seguir:



No caso dos selos D.Carlos ambas as margens laterais são perfuradas. Ao em vez de 5, as batidas foram 6. Uma foi totalmente inútil. Mais tempo e mais desgaste da ferramenta para que?
Se os selos fossem de uma época mais recente, haveria uma explicação plausível: impressão e sucessiva perfuração dos selos com uso de cilindros e de papel em bobina. Resultaria algo assim:



Uma impressão deste tipo é impossível para a época mas fica suficientemente demonstrado que as folhas tinham que ser imprimidas em paneis contíguos também horizontalmente e com uma coluna branca entre os vários paneis.

As duas condições (contiguidade lateral e vertical separadas por um espaço branco) obrigam a supor a impressão das folhas compostas por um numero múltiplo de 2 paneis e com um mínimo de 4 paneis.

Para chegar a uma conclusão teremos que recorrer a outros estudos, em particular sobre as modalidades de impressão dos selos da mesma época de Portugal continental.

No capitulo "D. Carlos - Mouchon - 1895-1905"  em "História do selo postal português",  A.H. Oliveira Marques escreve:
"(Os selos D.Carlos-Mouchon) Vinham impressos sobre papel finamente pontinhado em losangos (adquirido na casa Carlos Correia da Silva), com o denteado 111/2. Ao que parece, usava-se apenas a máquina de 150, sendo por vezes as folhas constituídas por quatro panéis de 28 (4x28 = 112), separados por uma cruz de espaços em branco (24 espaços). Uma coluna vertical de 14 espaços em branco completava a folha."

Segundo Oliveira Marques parece portanto que haviam duas composições de clichés (ou chapas) para a impressão em folhas de grandes dimensões, diferentes das habituais utilizadas para a impressão de 28 selos, e perfuradas 11½:


Representação gráfica de uma folha de 150 selos



Representação gráfica de uma folha de 112 selos divididos em 4 paneis


A hipótese de Oliveira Marques combina perfeitamente com quanto suposto para as folhas de Lourenço Marques, folhas que seriam assim compostas (os nomes dos distritos são casuais):



A folha recebeu a impressão de 4 paneis de 28 selos separados verticalmente e horizontalmente por uma coluna e uma linha de "selos" sem vinheta. A linha horizontal recebeu, aquando da impressão da taxa e da legenda dos selos, a impressão dos nomes das colónias/distritos. A folha era a seguir cortada (seguindo as linhas vermelhas do desenho) reconstituindo as folhas de 28 selos com as dimensões tradicionais.

Só desta maneira todos os quatro pormenores inicialmente descritos estão convenientemente e racionalmente explicados.

Resta saber quais selos, de quais colónias/distritos, eram imprimidos simultaneamente. Acho aceitável a hipótese que podia não haver uma única composição dos 4 paneis podendo ser facilmente adaptados dependendo das necessidades de cada território. Não se podia imprimir, por exemplo uma mesma quantidade de selos destinados a Lourenço Marques e a Inhambane. Prova disso é também a existência de folhas de Lourenço Marques com a legenda na margem inferior ou superior, sinal que para este distrito podiam ser destinados um ou dois ou mais paneis.

Para saber com certeza qual podia ser a posição relativa dos paneis de cada colónia/distrito e por cada taxa, seria necessário encontrar mais peças como a de Inhambane mostrada no inicio desta mensagem. Neste caso temos a certeza que numa determinada fase de impressão dos selos em folhas de 4 paneis de 28 selos da taxa de 115 réis com legenda na margem, o painel de Inhambane se encontrava posicionado por cima de um painel de Angola.



Nota: A posição das legendas que conheço são:

Legenda em baixo:
Angola (letras todas maiúsculas)
Congo (só inicial maiúscula)
Moçambique (só inicial maiúscula)
Lourenço Marques (letras todas maiúsculas)
Inhambane  (só inicial maiúscula)
S. Thomé e Principe (letras todas maiúsculas)

Legenda em cima:
Angola (só inicial maiúscula)
Lourenço Marques (letras todas maiúsculas)
Zambezia  (só inicial maiúscula)

Um obrigado a Altino Pinto e Fernando Bernardo pelas suas ajudas.

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